quinta-feira, março 03, 2005
Inteligência emocional
Os últimos posts da Marta e certos acontecimentos particulares recentes fizeram-me rever a educação ideal para os jovens de hoje, em comparação com a do meu tempo.
Quando eu nasci, o meu pai, sargento da Marinha, decidiu que eu seria oficial da Marinha quando crescesse. Quando, aos oito anos, tive de passar a usar óculos, o meu pai chorou de frustração. Depois decidiu-se pelo plano B. Eu iria tirar um curso de Finanças. Porquê? Porque era o curso do Professor Salazar.
Feito o 5º ano do liceu, decidi seguir Ciências, oficialmente para tirar engenharia de máquinas (secretamente para trabalhar em astronáutica na NASA). Para o meu pai, engenharia significava ir trabalhar para a CUF, o que era o topo de qualquer carreira profissional. Mas o ensino da Física era uma estopada, apaixonei-me por Biologia primeiro, depois pelo corpo humano e fui para Medicina.
Chegado a Medicina, como se pode descortinar nas entrelinhas, o choque com o meu pai era grave e decidi tornar-me financeiramente independente. Com 17 anos, subi umas escadas do Hospital de Santa Maria, bati à porta do gabinete do administrador, disse que era estudante e queria emprego. Comecei a trabalhar nessa tarde na Recepção, a inscrever doentes. Já agora, o emprego era com contrato a tempo indeterminado.
Como a maioridade era só aos 21 anos, o meu pai exerceu a sua autoridade paternal e tirou-me de lá… Larguei o curso e fui para a tropa, a modos de quem vai para a Legião Estrangeira.
Resumindo: 1960, empregos estáveis e facilidade em arranjá-los, submissão à autoridade paterna (e a outras), funcionários atentos, veneradores e obrigados (quem fosse despedido uma vez estava profissionalmente queimado). Os doutores, engenheiros e patrões em geral escreviam o que tinham a escrever com canetas, havia secretárias para bater os textos à máquina.
Passemos para a década de 80 e temos uma cachopa a crescer num mundo em mutação constante e muito mais agressivo. O pai tenta-a convencer a praticar aikido, ela vai para o ballet. Faz teatro, aprende música, e mete-se num curso superior que ela escolheu.
Nada daquilo em que o pai foi educado serve hoje como guia de comportamento para a relação pai-filha.
Cá fora, empregos estáveis acabaram. Poucas empresas ou instituições são profissionalmente aliciantes e, as poucas que o são, na área das comunicações, estão sob vendaval constante. Como ajudá-la, sem bases financeiras estáveis? Apoiar a sua grande inteligência emocional. Comentar os temas que ela traz à baila da conversa, numa de diálogos à Sócrates (o grego), alegrar-se com as suas capacidades em surfar os tsunamis que lhe aparecem e trautear interiormente "Bridge of troubled waters":
Sail on, silver girl... your time has come to shine...
Artur Tomé
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5 comentários:
I love you too, dad :)
De mãe para pai (desculpem gente mais nova, mas já que abriram o espaço à discussão...) deixe-me que lhe diga que me parece que o nosso papel de pais mudou e não me parece que tenha sido para pior. É verdade, antigamente os pais conseguiam - de formas mais ou menos simpáticas, mais ou menos lícitas -, caso o quisessem, assegurar um pouco mais do que achavam ser o bom futuro para os seus filhos. Mas o conceito de bom futuro mudou (o céu é clemente!) e se bem que não consigamos levá-los a um emprego para a vida toda, com Segurança Social e Reforma garantidas, será que é mesmo isso que eles querem? (Sejam honestos nas respostas!) Será que o preço não se torna demasiado alto? Considerei sempre minha missão de mãe não fazer o futuro das minhas filhas, mas dar-lhes ferramentas para que elas se construam a si próprias e à sua vida. "Se encontrares alguém com fome, não lhe dês o peixe, ensina-o a pescar" (um daqueles chineses senhores de uma sabedoria milenar). E nessas ferramentas está o serem gente equilibrada, segura (na medida do possível), responsável, interessada e capaz de gerir tanto os seus sonhos como as suas contas da EDP. E depois há que deixá-las voar. Asneiras? Farão imensas! Escolhas erradas? Provavelmente também. Mas é aí que o nosso papel se torna de novo importante: podemos ser o colchão nas quedas, a almofada nas desilusões, o ombro para as lágrimas. E ajudá-las a voltar ao caminho que tiverem escolhido para, mais uma vez, ficar a vê-las voar.
João, obrigado.
artur
Queria-lhe dar os parabéns pela coragem que teve de pôr um post como este.
Achei este texto delicioso. Fez-me sorrir. Mesmo.
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