quinta-feira, dezembro 23, 2004
A aristocrata que cresceu na rua
Modesty Blaise surgiu na década de 60 e fez mais pela igualdade de direitos entre os sexos do que todas as revoluções da moda de então.
Ao contrário do retrato das mulheres propalado pelo marialva do James Bond, Modesty era uma mulher à beira dos trinta anos, rica e independente após se reformar de uma intensa vida à testa de uma rede criminosa internacional. O seu criador, Peter O’Donnell, lançou-a primeiro em banda desenhada, com o apoio inestimável do desenhador Jim Halloway, e depois em livro onde revela uma qualidade narrativa muito superior à de Ian Fleming, o pai do 007.
E, enquanto Bond tem uma atitude superior em relação às outras nacionalidades e cores de pele, num desprezo a roçar o racismo, Modesty sente-se em casa tanto num mercado em Marraquexe como num leilão de obras de arte em Veneza..
Perita em todas as formas de combate, Modesty tanto se impõe naturalmente no comando de uma tropa de mercenários (no livro "Dente de Sabre"), como apaga todas as mulheres presentes em qualquer salão ou restaurante topo de gama (que provavelmente pertence a um ex-colaborador seu, cujo negócio ajudou a financiar).
Como seu aliado principal, Willie Garvin, um ex-combatente da Legião Estrangeira, rude e violento, que Modesty educou e que se tornou no seu guarda-costas, confidente e companheiro de aventuras na vida civil.
A relação entre Willie e Modesty é o ponto mais original da série. Willie, um atleta de sotaque cockney, emérito atirador de facas, tem uma adoração canina pela sua parceira. Tendo cada um vários romances, a sua relação é platónica mas mais íntima do que a que possam ter com qualquer namoro de ocasião.
E muitos são os motivos de fascínio em Modesty. Fugindo em criança de um campo de refugiados do pós-guerra, Modesty é gente, muito mais rica de personalidade, cultura e feminilidade do que a vazia Lara Croft que décadas depois a tentou imitar.
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2 comentários:
Olá, olá.
Lembro-me vagamente (para grande pena minha mas, se for de família, daquí por 50 anos sou capaz de contar a história toda...) de me ter emprestado um livro da Modesty Blaise. Na altura não achei que ela fosse por aí além, muito possivelmente porque li o livro quase 30 anos depois da época e miúdas a "dar cabo do canastro" de tudo e todos já fosse comum. No entanto fiquei impressionada com a complexidade escondida do "submundo" do crime organizado e da espionagem, e mais ainda com a facilidade com que as personagens se movimentavam nesse meio. Ossos do ofício, creio eu, especialmente porque as duas personagens principais começaram tão cedo e a meio dos 30 ainda estavam vivos, ricos e reformados. É preciso ter estofo.
Mas no que toca á Lara Croft... O que se podia esperar da adaptação de um jogo de vídeo senão um filme "pipoca"? Uma miúda giraça com grandes armas, grandes dotes físicos, mentais e financeiros, poses catitas, engenhocas hi-tech, muito pontapé, murro, estalo e, claro, belíssimas explosões com vilões pseudo-charmosos a condizer e argumentos um bocadito...como dizer..."incompletos"? E temos tão bons exemplos: o Streetfighter, o Mortal Kombat, o Super Mário Bros...
Não sei bem quem disse que hoje se vive numa sociedade feita de plástico (por isso é que gostava tanto de Tupperware...) e, assim sendo , não se pode pedir profundidade á adaptação cinematográfica de algo tão superficial como um jogo de vídeo. Provavelmente nem sequer seria rentável. Pensando bem, da maneira que isto está hoje em dia, espero que nunca se lembrem de adaptar a Modesty Blaise, por muito boa que seja a equipa de trabalho. (arrepio, arrepio) Até parece que já estou a ver o filme: (arrepio) a mistura da Lara Croft com o 007 e o Santo, uma pitada de girl power, efeitos especiais qb, modelos que decidiram mudar de carreira... (cambalhota no estômago, arrepio, arrepio) Se eu, que não percebo nada disto, fico assustada imagino como ficam os entendedores.
Acho melhor parar de pensar em coisas tristes. Boas leituras e até á próxima.
Valéria.
Carissima Valeria
Modesty já foi adaptada ao cinema. De forma desastrosa, como seria de esperar, mas um desastre com uma certa qualidade.
Realiador: Antonioni. Monica Vitti era Modesty, Terence Stamp era Willie Garvin e Dirk Bogard era Gabriel, o mau da fita. Tinha uma etética muito pop, ou op, ou o raio que a partisse, nada a ver com a elegancia british dos livros.
E um xi de Boas Festas para todos vocês.
Artur
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